sexta-feira, 8 de abril de 2011

Retratos de uma vida


O nome Efigênia é uma variação do grego Ifigênia, cujo significado é pessoa vigorosa. No catolicismo, tornou-se santa uma princesa africana batizada pelo mesmo nome, bastante popular por sua generosidade e crença em Deus. Repleta de generosidade, força, e fé inabalável, encontra-se Dona Maria José Ferreira, 78 anos, moradora de Santa Efigênia, bairro da zona sul de Juiz de Fora. Habitante mais antiga do local, Dona Maria chegou em Santa Efigênia há 54 anos, quando as primeiras casas eram construídas e os habitantes conviviam com a ausência de calçamento, água encanada e energia elétrica.
Para driblar as dificuldades da época, era preciso improvisar e Dona Maria soube fazer isso com eficiência. Ao lado do falecido marido, José Ferreira, ajudou a vizinhança por um tempo, levando até eles água de um poço próximo à comunidade, através da carroça do Seu José. Parte dessa água era usada para lavar as roupas dos clientes da cidade. Trabalhou como lavadeira por três décadas, ajudando no sustento da família. “Hoje em dia tem máquina de lavar. Antigamente, nós, lavadeiras, é que lavávamos roupa para o pessoal da cidade. Eu ia até o centro todo dia e voltava com uma trouxa de roupas na cabeça. Depois de limpas, passava tudo com ferro à brasa, pois não tinha luz elétrica”, relembra Dona Maria.
Foi ela também quem lutou para asfaltarem a Rua José Joaquim, aonde mora desde os 24 anos de idade. Em companhia de um grupo de 15 vizinhos e um abaixo assinado com nomes de outros tantos, a simpática senhora foi até a prefeitura solicitar a pavimentação da rua. Em poucos dias o problema estava solucionado, embora o processo não tenha sido tão rápido quanto parece. O grupo foi ignorado muitas vezes até conseguir apoio político para realização da obra.  “Fomos brigar porque a rua era coberta por mato. Os moradores tinham que capinar esse matagal todo dia, pois nem capina o governo disponibilizava.”, defende-se. Segundo ela, o mato em grande proporção estava servindo de abrigo para diversos caramujos africanos, espécie de molusco que libera uma secreção capaz de transmitir meningite e causar cegueira no contaminado.
Essa não foi a primeira vez que Dona Maria correu atrás de melhorias para a população de Santa Efigênia. Durante três anos, ela exerceu a função de líder comunitária como vice, e depois presidente da extinta Sociedade Melhoramento do Bairro. Na sede da associação, ouvia sugestões e críticas dos moradores, e se encarregava de planejar ações de benfeitoria para a comunidade. Faz parte até hoje da Conferência de São Vicente do bairro.  No papel de vicentina, ajuda famílias locais que passam por necessidades, distribuindo todo mês uma cesta básica para cada família. “A gente passa nas casas pedindo ajuda, qualquer colaboração é de bom tamanho. Também faço alguns bordados para arrecadar dinheiro para essas pessoas que estão desempregadas e se vêem sem alternativas”, explica a generosa senhora.

Marcada pela fé

Muito religiosa, Dona Maria sempre se engajou nos eventos sociais da Igreja Católica de Santa Efigênia, e organiza romarias duas vezes ao ano. Entre os locais de destino estão Aparecida do Norte-SP, e algumas cidades do interior de Minas Gerais.  Foi também, por anos, presidente do Apostolado da oração do bairro, mas teve que se afastar do grupo devido à indisponibilidade de tempo. Desde que passou a tomar conta do bar da filha Neuza, há 12 anos, os dias passaram a ser mais curtos e as antigas atividades ficaram em segundo plano. Entre essas atividades estava o Clube de mães, o qual criou junto a cinco amigas da igreja. Essas mulheres se reuniam toda semana para produzir peças de artesanato que eram vendidas nos bazares realizados em frente à igreja.
 Há 15 anos, as mulheres do Clube de mães não se reúnem, desde que Dona Maria sofreu um acidente que a debilitou. Caiu, enquanto descia a ladeira da rua onde mora a caminho de casa. Passou cinco meses em casa, enclausurada, com a perna engessada. Foram mais dois meses andando de muletas, com dificuldades para se locomover. Com isso, afastou-se de todos e foi forçada a parar de lavar roupa. Consumida pela tristeza, chegou a escrever uma carta para as amigas, desculpando-se pela ausência. Mas essas pessoas entendiam a situação da amiga e a apoiavam da maneira que podiam, seja animando-a com visitas, seja dando uma carona até à igreja.
 A senhora do olhar doce sabe bem o que é sentir o sabor amargo do sofrimento. Enterrou dois dos três filhos a quem deu à luz. Um menino de cinco meses, morto por pneumonia; e uma menina de seis anos que, ainda bebê, teve uma paralisia que, anos depois, lhe tirou a vida. O marido, José Ferreira, morreu há 30 anos por complicações na próstata. As perdas a desolaram por um tempo, mas ajudaram a esculpir a forte mulher que se tornou.  A saudade escapa entre seus olhos sinceros quando toco no assunto delicado. Mas rapidamente expressões faciais que indicam timidez e simpatia voltam a iluminar seu rosto, enquanto muda o rumo da conversa.
 Lar, doce lar.

Atualmente Dona Maria divide o teto da casa onde mora com a filha Neuza Eni, o genro Gilberto e o neto, Fábio. Esse último, aliás, é o xodó da avó.  Logo na entrada do bar da família, duas prateleiras exibem os troféus do time de futebol treinado por Fábio, campeão de diversas partidas disputadas entre os moradores do bairro. Um caminho de mesa com o escudo do flamengo bordado cobre o móvel, perto do qual estamos sentadas, conversando. O relógio de parede, também do time, me desperta a curiosidade: ”Gosta de futebol?”, pergunto. A moradora mais antiga de Santa Efigênia balança, então, a cabeça, fazendo sinal negativo, estampa um tímido sorriso no rosto e responde: “É do meu neto, flamenguista. Ele também joga futebol muito bem”, revela cheia de orgulho.
Figura conhecida no bairro, a moradora tem o respeito e admiração da vizinhança. “Ela é uma pessoa maravilhosa, muito generosa, e excelente catequista. Minha filha, que atualmente está com 27 anos, foi catequizada por Dona Maria há anos e até hoje pede conselhos a ela. Temos grande carinho por ela.”, relata a amiga e ex-colega do Clube de mães, Marli Elerati, 63 anos. Ao falar com Dona Maria entendo a razão de tantos comentários positivos a seu respeito. Os minutos voam enquanto me encanto, ouvindo os relatos daquela senhora. Difícil não se deixar encantar. E assim as histórias de Santa Efigênia e Dona Maria Ferreira se misturam, escrevendo linhas de conquistas, luta, simplicidade, e do verdadeiro sentido da palavra comunidade.
Marília Xisto














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